Passados nove anos da eclosão da crise em 2008, seus efeitos ainda são sentidos na economia mundial. Iniciada no setor financeiro dos Estados Unidos ainda em 2007, difundiu-se pelo mundo, afetando o crescimento das economias, retraindo o comércio, provocando recessões e aumento do desemprego em diversos países. A forte queda atividade, que parecia estar desvanecendo-se em 2010, voltou a recrudescer, na Europa, em 2011, passando a impactar mais fortemente os países em desenvolvimento, através de uma redução ainda mais significativa dos fluxos de comércio internacional.
O papel do cenário internacional no desempenho econômico do Brasil a partir de 2008 é matéria controversa. Entretanto, independentemente do maior ou menor peso atribuído aos erros de política para explicar a atividade econômica nos últimos anos, é inegável que as próprias políticas surgiram como resposta ao seu impacto e aos seus desdobramentos no País. Nesse sentido, a ideia deste artigo é descrever o comportamento das principais atividades econômicas no Rio Grande do Sul a partir da eclosão da crise, cotejando-as com o desempenho no Brasil, e apresentar algumas sugestões de interpretação para os fenômenos observados.
Será analisada a produção das atividades da agropecuária, das indústrias de transformação, da construção e do comércio. A indústria extrativa, apesar de importante no plano nacional, é pouco expressiva no Estado e não possui encadeamentos produtivos significativos, e por isso não será analisada. As duas primeiras atividades, sendo fortemente tradables (comercializáveis), são a base exportadora do Estado, e as últimas, sendo tipicamente no tradables (não comercializáveis), respondem às condições do mercado local.
A produção da agropecuária, tanto a nacional quanto a do Estado, não foi atingida pela crise de 2008. A demanda, principalmente a chinesa por soja, continuou crescendo durante todo o período. Os preços em dólares da soja continuaram elevados, tendo alcançado seu ápice em 2013 e retraindo-se a partir daí. As condições para a expansão do setor propiciaram crescimento da produtividade e expansão de área plantada, o que, no caso do Estado, resultou em um crescimento em volume maior que o do País, o maior entre todas as atividades econômicas no RS.
O volume do Valor Adicionado Bruto (VAB) da indústria de transformação brasileira não voltou a recuperar o nível anterior à sua queda, passando, nos últimos três anos, a recuar fortemente, estando atualmente em um nível 20% inferior ao do pico em 2008. A indústria gaúcha apresentou um movimento similar. O volume exportado pela indústria de transformação mantém o mesmo nível nos últimos 10 anos, tanto no Estado quanto no País. Já no plano internacional, considerando-se as economias industriais mais importantes, a produção industrial nos EUA vem recuperando-se lentamente desde 2009, a da Europa estabilizou-se em um nível inferior ao anterior da crise, e a China, depois de uma recuperação rápida, passou a ter taxas de crescimento inferiores às alcançadas antes da crise.
A construção é a atividade que liderou o crescimento nacional no período imediatamente pós-crise, crescendo mais que o Produto Interno Bruto (PIB) em quase todo o período que vai até o terceiro trimestre de 2014. A expansão do crédito imobiliário e o crescimento do investimento público, principalmente no período imediatamente após 2009 e em 2013, são as principais explicações para esse desempenho do setor. Contribuíram para a expansão do crédito o crescimento dos rendimentos reais e a queda da taxa de juros. No Rio Grande do Sul, a construção ficou atrás da agropecuária na liderança do crescimento pós 2008. No Estado, o desempenho da construção foi influenciado por fatores similares ao nacional, mas com uma menor participação das obras públicas.
O comércio seguiu de perto o crescimento da construção no País, mantendo-se no período pós-crise acima do nível PIB até o primeiro trimestre de 2015. Contribuíram para o desempenho da atividade o crescimento da renda familiar (incluídas as transferências governamentais), impulsionada pela elevação do salário mínimo, a redução do desemprego e os reajustes reais, um mercado de crédito mais acessível e a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para bens duráveis. O comércio no Estado cresceu mais que no País inteiro, provavelmente beneficiado pelo melhor desempenho de seu mercado de trabalho e pela renda agrícola.
Pelo gráfico abaixo, que apresenta as séries dessazonalizadas das atividades analisadas e do PIB no RS, a partir de 2008 observa-se uma maior dispersão. O desempenho do PIB no RS foi sustentando pela construção e o comércio até 2014. A transformação ficou estagnada em um nível inferior ao pico pré-crise até 2014, caindo a partir daí. A agropecuária manteve tendência de crescimento. A deterioração do saldo de transações correntes em 2013, fruto principalmente da queda dos preços das commodities e do aumento das importações, e as respostas de política a partir disso podem explicar a reversão dos fatores que sustentaram o PIB até 2014, tanto no Brasil quanto no Estado. Fica claro que, independentemente das políticas adotadas no período, o comportamento da indústria de transformação nacional e os determinantes da formação dos preços internacionais são elementos estruturais para o entendimento dos impactos da crise no Brasil e no RS.