Nos seus primeiros cinco meses, a política macroeconômica do Governo Lula vem seguindo a mesma orientação que norteou o segundo mandato do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Manteve-se o sistema de metas de inflação como uma forma de “despolitizar” a política monetária, tornando claro o objetivo antiinflacionário do Governo. A alteração marginal introduzida pela criação das “metas ajustadas”, que elevou a meta, em 2003, para 8,5%, foi idealizada no final de 2002, como fica claro na carta aberta do Presidente do Bacen ao Ministro da Fazenda, divulgada no início do ano.
O sistema cambial continuou a ser baseado no câmbio flutuante. Obviamente, em um sistema de taxas de câmbio flutuantes, associado a um regime de metas de inflação, não cabe o estabelecimento de limites mínimos ou máximos para a taxa de câmbio. É um grande equívoco tentar fixar a taxa de câmbio. Quando a taxa é fixada em um valor muito baixo (valorizada), tem-se, em geral, um grande desequilíbrio no balanço de pagamentos em conta corrente, tal como ocorreu entre 1995 e 1998. Por outro lado, quando a taxa é fixada em patamares muito elevados (desvalorizada), tal como ocorreu nos anos 80, o resultado é uma inevitável aceleração da inflação. Contudo é importante ter claro que a inexistência de metas de câmbio não impede que o Bacen atue no mercado cambial. Desde a criação do sistema de metas de inflação, em meados de 1999, o Bacen já atuou diversas vezes no mercado de câmbio. Na verdade, sempre que uma variação significativa da taxa de câmbio ocorrer sem ligação direta com os fundamentos econômicos, cabe ao Bacen atuar no mercado tentando evitar tal fenômeno. Em 2001, por exemplo, foi instituída uma política de venda diária de cerca de US$ 50 milhões, com o objetivo de fornecer liquidez ao mercado de câmbio. Criaram-se, posteriormente, os contratos de swap cambial, cujo objetivo é o de fornecer head cambial, que, por um problema de falha de mercado, não é oferecido pelo sistema financeiro privado e pelos exportadores brasileiros. Note-se, contudo, que em nenhum momento essas intervenções foram inspiradas em uma avaliação governamental de que era necessário “defender” um certo nível de taxa de câmbio. A literatura de metas de inflação recomenda atuações no mercado de câmbio apenas para amortecer variações transitórias da taxa de câmbio. Movimentos permanentes, ligados aos fundamentos macroeconômicos, não devem ser objeto de intervenção por parte do Bacen.
Do ponto de vista da política fiscal, novamente tem-se uma continuidade da política anterior, baseada na geração de um superávit primário compatível com uma trajetória de solvência da dívida pública no médio e no longo prazo. Os dados disponíveis mostram que o superávit primário acumulado em 2003, até abril, atingiu R$ 32,7 bilhões (6,53% do PIB). Considerando-se que a meta acertada com o FMI para o superávit primário até o mês de junho é de R$ 34,5 bilhões, não deverá haver problemas para cumpri-la. No acumulado dos últimos 12 meses, o superávit primário atingiu R$ 64,6 bilhões (4,53% do PIB) em abril, ficando também acima da meta de 4,25% do PIB para 2003. Essa política fiscal austera, associada à valorização do real ao longo do ano, contribuiu para a redução da relação dívida/PIB, que atingiu 52,18%.
Do ponto de vista da política fiscal, novamente tem-se uma continuidade da política anterior, baseada na geração de um superávit primário compatível com uma trajetória de solvência da dívida pública no médio e no longo prazo. Os dados disponíveis mostram que o superávit primário acumulado em 2003, até abril, atingiu R$ 32,7 bilhões (6,53% do PIB). Considerando-se que a meta acertada com o FMI para o superávit primário até o mês de junho é de R$ 34,5 bilhões, não deverá haver problemas para cumpri-la. No acumulado dos últimos 12 meses, o superávit primário atingiu R$ 64,6 bilhões (4,53% do PIB) em abril, ficando também acima da meta de 4,25% do PIB para 2003. Essa política fiscal austera, associada à valorização do real ao longo do ano, contribuiu para a redução da relação dívida/PIB, que atingiu 52,18%.
O eixo central da política econômica é, portanto, a continuidade. Essa estratégia visa à construção de credibilidade na política econômica de forma a garantir a manutenção da estabilidade macroeconômica nos próximos anos. É preciso ter-se em conta que o combate à inflação é, no curto prazo, o principal desafio de política macroeconômica do novo governo. No último trimestre de 2002, a taxa de inflação acumulada, medida pelo IPCA, atingiu 6,6%, o que representa uma inflação de 29% em termos anualizados.
Para ganhar credibilidade, o Presidente Lula retirou de seu partido a condução da política econômica. Todas as secretarias importantes do Ministério da Fazenda foram isoladas dos petistas, tendo sido entregues a técnicos, muitos dos quais haviam trabalhado no Governo FHC. Na direção do Bacen, ocorreu o mesmo fenômeno, com a manutenção da diretoria anterior e a escolha de um banqueiro internacional, que era deputado eleito pelo PSDB, para Presidente da instituição. O único petista que atualmente tem influência na política econômica do Governo é o Ministro Antônio Palocci, que funciona como “algodão entre cristais”, viabilizando, dentro do Partido dos Trabalhadores (PT), a política econômica atual. Os indicadores de credibilidade mostram que a opção Lula light de evitar a pirotecnia no campo da política econômica está funcionando. O Risco-País caiu dramaticamente, o real valorizou-se e a inflação está se desacelerando.
Além disso, a questão da “vulnerabilidade externa”, um dos principais pontos de crítica à política econômica do governo anterior, vem sendo resolvida, ou, no mínimo, reduzida substancialmente, com a geração de um grande superávit comercial e com a volta das fontes de financiamento externo para a economia brasileira. Os dados disponíveis apontam um superávit comercial de US$ 8,045 bilhões nos primeiros cinco meses de 2003. Por outro lado, o superávit comercial acumulado nos últimos 12 meses, até maio, atingiu US$ 19,272 bilhões, com exportações de US$ 66,517 bilhões e importações de US$ 47,245 bilhões. É significativo que esse superávit esteja sendo conseguido com o aumento de exportações em uma conjuntura internacional não muito favorável. Uma possível retomada do crescimento econômico na Argentina, que é nosso terceiro mais importante mercado para exportações, pode garantir uma redução ainda maior da “vulnerabilidade externa”.
Embora a opção de manter o sistema de metas de inflação com câmbio flutuante e aperto fiscal tenha sido correta, algumas críticas menores podem ser feitas à condução da política econômica. O timing do processo de redução das taxas de juros pode, por exemplo, ser questionado. Quando se examinam as taxas de juros no mercado futuro, as taxas dos leilões primários de LTNs e também os índices de inflação, pode-se argüir que já havia espaço para uma redução da taxa Selic na reunião do Copom no mês de maio. Outra linha de críticas salienta que a meta de 8,5% para a inflação em 2003 é muito baixa, tendo o Governo se precipitado em determinar a nova meta ajustada já em fevereiro, quando ainda não estava claro qual seria o efeito da persistência inflacionária no ano. Pode-se argumentar, ainda, que o Governo deveria impor alguns desincentivos aos capitais externos de curto prazo, tal como é feito pelo Chile, com o objetivo de reduzir possíveis choques futuros causados por um influxo desses capitais. Por último, existe, ainda, uma crítica no sentido de que o Governo deveria reduzir mais rapidamente a sua exposição cambial. Até maio, a política adotada era a de rolar integralmente o principal dos contratos de swap cambial, transformando em dívidas denominadas em reais apenas a parte referente aos juros, o que resultou, na prática, em uma rolagem de 88% do total dos vencimentos. Nesse sentido, o Bacen já anunciou que, a partir de junho, não existe mais esse compromisso a priori de rolagem integral do principal dos contratos. Dessa forma, abre-se espaço para uma redução paulatina da exposição cambial do Bacen. Contudo essas críticas atingem apenas a condução da política econômica no varejo, sem negar a importância de manter o regime atual de política econômica, baseado na busca do equilíbrio fiscal, em metas de inflação, câmbio flutuante e independência operacional do Bacen.
Uma outra linha de críticas mais profundas à atual política econômica pode ser inferida das propostas oferecidas, no passado não muito distante, por economistas ligados ao próprio Partido dos Trabalhadores. Segundo essa visão, tem-se que mudar o eixo central da política econômica atual, ou, em outras palavras, mudar o “modelo econômico”. Essa estratégia alternativa passa pelo fim do mercado de câmbio flutuante, através de algum tipo de centralização cambial que daria ao Bacen o poder de determinar a taxa de câmbio pela redução rápida das taxas de juros, para “favorecer a produção em detrimento da especulação”, pela montagem de mecanismos administrativos de controles de preços como forma de combate à inflação, tais como câmaras ou acordos setoriais, e por medidas administrativas ou tarifárias de fechamento da economia.
O simples fato de termos influentes economistas e parlamentares do partido do Governo afirmando que “a hora da virada está próxima” produz incertezas sobre o desenrolar futuro da política econômica, impedindo que se colham os frutos da política econômica atual de construção de credibilidade. O Governo deve minimizar a ambigüidade econômica. Deve abraçar a política econômica atual de forma clara, isolando os dissidentes, ou, então, assumir a implementação do plano alternativo.
Por outro lado, a pauta legislativa do Governo Lula está também marcada pelo seqüestro da agenda de reformas que marcou a Administração FHC, sendo as reformas no sistema tributário e na previdência as primeiras delas. Estão ainda sendo trabalhadas dentro do Congresso e do Ministério da Fazenda a reforma da Lei de Falências, que pode ter um impacto importante na redução dos spreads bancários, e a independência formal do Bacen em termos operacionais.
Apesar de ter sido eleito por uma coalizão de partidos que não obteve a maioria no Congresso Nacional nas eleições de 2002, o Presidente Lula conseguiu formar uma base ampla de apoio no Congresso. Com a entrada do PMDB e do PP na base de apoio do Governo, o suporte congressual para a aprovação dos projetos de interesse do Governo ficou muito fortalecido. Na verdade, mesmo antes da adesão formal desses partidos, a base parlamentar do Governo já vinha sendo ampliada pela adesão individual de deputados. O PTB e o PL foram as principais portas de entrada no Governo. Esses partidos, que haviam eleito 26 deputados cada um, já contam com uma bancada de 48 deputados no caso do PTB e de 33 deputados no caso do PL. Os grandes perdedores no mercado político de deputados foram o PMDB (seis deputados), o PSDB (nove deputados) e o PFL (12 deputados).
Além desse grande apoio dentro do Congresso Nacional, o Governo Federal conta, ainda, com a elevada popularidade pessoal do Presidente Lula para pressionar pela aprovação, no Legislativo, dos projetos de seu interesse. Em certo sentido, pode-se dizer que o suporte político do Governo Lula é superior àquele obtido pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso no início de seu primeiro mandato. Em 1995, apesar de ter maioria no Legislativo e apoio popular, o Governo FHC tinha contra si uma oposição bem organizada no Congresso, que apresentava à sociedade uma agenda econômica oposta à do Governo, impingindo a este o custo político de levar à frente seu programa. Em 2003, como o PT seqüestrou a agenda das reformas estruturais, do combate à inflação e do ajuste fiscal, que era proposta anteriormente pelo Governo FHC, a oposição atual está sem foco de ação. Os debates políticos nesses primeiros meses são realizados entre o PT e o próprio PT. É apenas o fogo amigo dos radicais do Partido dos Trabalhadores que tem impingido algum custo político ao Governo.
Os eventos econômicos dos últimos cinco meses têm mostrado que o País está atingindo um certo grau de maturidade política. Essa maturidade é gerada pelo abandono da pirotecnia econômica e pela convergência dos partidos políticos para o centro. O grau de divergência política no Brasil reduziu-se significativamente. Nas duas eleições presidenciais anteriores, mas principalmente na de 1994, existiam dois projetos políticos completamente opostos. De um lado, propunha-se a abertura econômica, a privatização e outras reformas liberalizantes e, de outro, a manutenção do modelo antigo de economia fechada, com forte intervenção e regulamentação estatal. Durante a Administração FHC, a agenda de reformas parece ter se imposto como agenda hegemônica, adotada, agora, com alterações menores pela oposição de outrora.
Essa maior maturidade política, que descarta a adoção de soluções pirotécnicas de política econômica, pode gerar benefícios muito elevados para a economia brasileira no longo prazo. O evento de um governo de esquerda que é “socialista no social” e “ortodoxo em termos de política econômica”, que respeita regras e contratos estabelecidos e que não tenta impor uma agenda de ruptura à sociedade leva a um ganho de credibilidade do país como um todo e não apenas do governo que está em exercício. Nesse sentido, é possível que as experiências do Governo Chaves na Venezuela e da Administração Olívio Dutra no Rio Grande do Sul tenham sido importantes elementos para reposicionar o comportamento do Presidente Lula.
Se essa nova postura de compromisso com as regras econômicas básicas, de respeito a contratos e de ausência de ruptura for mantida durante todo Governo Lula, o Brasil poderá superar definitivamente o susto recorrente trazido por toda eleição presidencial. Se assim for, nas próximas eleições, o Risco-País não vai chegar a 2.400 pontos, e os fluxos de capitais não vão diminuir para o Brasil, como aconteceu em 2002. Não teremos mais os custos econômicos e sociais associados à incerteza trazida pela pirotecnia econômica.
1 No ponto mais crítico da crise de confiança, em setembro de 2002, a relação dívida/PIB atingiu 63,6%, tendo terminado o ano em 55,9%.